11 maio 2005

Baco aconselha


Cunha Martins
Dão Tinto Reserva 2000

Castas: Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro Preto, Bastardo e Jaen
Aspecto: Límpido
Cor: Ruby intenso com nuances acastanhadas
Aroma: Misto de frutos vermelhos bem maduros e especiarias
Sabor: Frutado, macio e equilibrado
Processo de Vinificação: Desengace total, fermentação alcoólica a 28°, maceração pelicular prolongada
Estágio: Oito meses em barricas de carvalho Nacional e dezoito meses em garrafa
Longevidade do Vinho: 7/9 anos
Características organolépticas: Vinho de cor granada, aroma e sabor complexos. Estagiou 8 meses em barricas de carvalho nacional. Tem estrutura e longevidade. Acompanha bem pratos à base de carnes vermelhas, caça e queijos
Nota do palato: É um pouco doce demais para o meu gosto, tornando-se enjoativo ao terceiro copo se a comida não tiver um sabor bastante forte para o contrapor. Mas é delicioso e tem um aroma que merece longas inspirações de olhos fechados. A garrafa é feia, a lembrar os vinhos a granel (quando é que alguns produtores vão começar a perceber que existe uma ferramenta poderosíssima chamada 'design'?) e o logótipo é de tal modo enfadonho que os menos atentos nem vão dar por ele na prateleira do supermercado. Enfim, ainda bem que o que interessa é o 'espírito' que tem dentro

Redundância social numa noite de copos

Estou demasiado fixe para ouvir as tuas merdas, mas tu às vezes até dizes merdas fixes.

06 maio 2005

Ricos e Pobres

Nestes últimos meses, pacientemente, andei a ler o fabuloso livro "A Riqueza e a Pobreza das Nações- Porque são algumas tão ricas e outras tão pobres", de David S. Landes.
Para encurtar uma longa descrição da obra à laia de contextualização, digo somente que o livro me prendeu do princípio ao fim, e que parece mais uma longa crónica escrita com estilo e ironia do que aquilo que verdadeiramente é: uma tese.
O autor, fervoroso crente nas dinâmicas do capitalismo, estimuladas, ou travadas, pela cultura de cada povo e/ou país, estabelece mais ou menos um padrão de desenvolvimento económico para várias nações. Do lado das ricas, surgem à cabeça o Reino Unido, os EUA e o Japão. Entre elas têm em comum como estímulo 'natural' ao desenvolvimento uma forte disciplina social, avidez pela tecnologia e pela novidade, e uma arreigada ética do trabalho, no caso dos anglo-saxónicos estruturada numa lógica protestante que encara o lucro como um bem divino.
Do lado dos pobres, está tudo o resto: a displicência, a desorganização, o sub-aproveitamento de recursos naturais, baixos níveis de instrução e de índices tecnológicos, fracas taxas de investimento, desorganização social, conflitos internos, enfim...
Apesar das explicações apontadas para a pobreza serem mais diversas do que para a riqueza, muitas das nações pobres analisadas por David S. Landes têm em comum o facto de serem antigas colónias de potências europeias. E o autor dedica uma considerável parte do seu texto a desmontar os argumentos daqueles que tentam actualmente explicar o atraso dos seus países com a "herança colonialista", que, em alguns casos, dizem eles, ainda se faz sentir. Nada disso, insurge-se o autor, fracos argumentos para tapar o sol com a peneira e expiar o debate das verdadeiras razões estruturais do sub-desenvolvimento que, para ele, são exclusivamente de ordem interna.

No outro dia, numa saída de copos no Bairro Alto, reencontrei uma amiga que, durante um ano, esteve a trabalhar para uma empresa multinacional em Angola. Após as novidades iniciais e o sorriso de quem viveu uma experiência marcante, o semblante começou a carregar-se-lhe. Trazia histórias arrepiantes das condições em que a dita empresa multinacional colocava os trabalhadores locais, os angolanos: salários de miséria, porque se um não trabalhar logo estará outro na fila para se submeter; condições de trabalho de uma precaridade atroz ao nível da segurança, do horário e da assistência social; até não faltou o pitoresco de refeitórios e casa-de-banho separadas para uns e outros.
É aqui que David S. Landes peca por omissão. Existe ainda, de facto, uma mentalidade empresarial neo-colonialista no ocidente, que ainda explora e abusa. Não é A razão primordial para o atraso de alguns países, mas para isso contribui um pouco. Até os próprios argumentos do autor se viram contra ele neste caso, mais que não seja porque, por exemplo no caso da indústria transformadora, ao dar melhores condições aos países estrangeiros onde investe, estará também a criar mais mercado para escoar os seus produtos.
Numa época em que, no mundo industrializado, a 'responsabilidade social' das empresas é vista como a Terceira Via da economia, estes casos parecem-me de uma hipocrisia e grosseria a toda a prova.

04 maio 2005

anoitecer plástico

03 maio 2005

O camaleão

Segundo as tradições dos Pigmeus do Ituri, o deus supremo uraniano Arebati tem como atributos o trovão, o relâmpago e o camaleão. Este último, demiurgo, criador dos primeiros homens, é sagrado. Quando os Pigmeus o encontram no seu caminho, retiram-no com precaução por medo do trovão e do relâmpago. Ele sobe ao topo das maiores árvores; assim ele está mais próximo de Deus... Uma vez o camaleão ouviu no tronco duma árvore um murmúrio e um ruído. Rachou a árvore e uma grande onda saiu dela e espalhou-se sobre a Terra. Era a primeira água da Terra. Juntamente com a água saiu o primeiro casal humano (...)
Para os Dogons, o camaleão, que recebeu todas as cores, está ligado ao arco-íris, caminho entre o céu e a terra.
Para os Eldas do Alto Volta, é um símbolo de fecundidade e por esta razão as suas cinzas servem para a preparação de pós mágico-medicinais.
Segundo outras tradições, o camaleão seria um dos primeiros seres vivos: ele teria aparecido quando a Terra ainda não se tinha completamente separado das Águas primordiais, e, como teria aprendido a caminhar na lama, adquirira esta maneira de caminhar lenta e aparentemente preguiçosa que esteve na origem do aparecimento da Morte. Com efeito, o camaleão fora encarregado por Uculunculum (demiurgo e primeiro homem) de ir dizer que os homens não morrem. Mas ele demorou-se e, zangado, Unculunculum enviou o lagarto com a palavra morte e este chegou primeiro. A morte é, por isso, o efeito da preguiça e da leviendade do camaleão.
Mesmo em África, vemos, assim, o significado simbólico do camaleão passar da ordem cósmica à ordem ética e psicológica, o que indicaria um deslocamento dos centros de interesse e de observação. Do demiurgo que falha na sua obra, ao deixar que o homem se torne mortal, ao animal cujos traços físicos e hábitos servem de imagens para as lições do iniciador, encontra-se no camaleão uma impressionante bipolaridade, diurna e nocturna, que reúne os poderes e os fracassos.
in "Dicionário dos Símbolos"